O culto cristão no Novo Testamento
A base judaica
Os primeiros cristãos foram judeus. Por isso não admira que tenham tomado de sua matriz judaica muitos elementos para o seu culto. At 2,46 diz: "Dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração". Continuaram a participar do culto no templo de Jerusalém, acrescentando uma refeição cristã especial.
Mas pouco a pouco os cristãos entenderam que os sacrifícios do templo não eram mais necessários, visto que a morte de Jesus fora o sacrifício definitivo, oferecido pelos pecados uma vez por todas, Assim começaram a afastar-se do culto do templo, especialmente depois que surgiram conflitos entre judeus e cristãos. Mas por várias décadas muitos cristãos judeus continuaram a freqüentar as sinagogas. Paulo habitualmente começava a sua pregação pela sinagoga da cidade que . Visitava e ali participava do culto, en3uanto não fosse forçado a abandoná-la Particularmente dois aspectos do culto judaico influenciaram o culto cristão: a) o rito da Páscoa refletido na ceia do Senhor, e b) o serviço sinagogal que com sua leitura da Bíblia, orações e sermão serviu de modelo para o culto cristão primitivo (Hb 7,23-27; At 17,1-8).
A Ceia do Senhor
Jesus instituiu esta refeição comunitária no contexto da celebração da Páscoa, durante a última ceia feita com os apóstolos. Na festa da Páscoa, as - pessoas recordavam a libertação do Egito, no passado, e pensavam no advento do reino de Deus, no futuro. Não se tratava simplesmente de uma comemoração, mas também, e sobretudo, da experiência viva e contínua da salvação oferecida por Deus na esperança da libertação plena e definitiva. Também a ceia do Senhor volta-se ao passado e nos recorda, com o pão e o - vinho, o acontecimento da morte de Jesus. Além disso, olha para o futuro, para o seu retorno. "Anunciareis a - morte do Senhor até que ele venha" diz a Paulo. Mas ao mesmo tempo proclama a sua presença salvífica no pão e no vinho da mesa eucarística.
A ceia pascal começava com uma bênção, uma ação de graças a Deus pelo pão. Depois eram distribuídos pedaços de pão aos convivas. 0 mesmo gesto realizado na celebração cristã não só lembra, mas torna sacramentalmente presente o corpo de Jesus, que foi "dado por vós". A ceia terminava com o beber de uma taça de vinho. Na cerimônia cristã o vinho é o sinal eficaz do sangue (da morte) de Cristo. A sua morte é sacrifício que sela a nova aliança entre Deus e o homem, assim como a antiga aliança fora selada pelo sangue do novilho sacrifical (Ex 24,5-8). Por isso Jesus disse: - "Este é o meu sangue... da aliança". Aqueles que participam dessa refeição sagrada declaram a sua lealdade ao Senhor, que criou a nova aliança.
O vinho, além disso, faz referência ao futuro reino de Deus, representado como banquete. Jesus disse: "Doravante não beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus".
No livro dos Atos a ceia do Senhor; é chamada de "fração do pão" (refeição de comunhão), expressão usada pelos judeus para indicar a bênção do pão, mas que no cristianismo se tornou expressão técnica para indicar a eucaristia. Originariamente esta fazia parte de uma refeição verdadeira. Os cristãos de Corinto traziam consigo os seus próprios alimentos, para consumi-los em conjunto. Paulo ainda viu outra significação na participação do pão. Os cristãos participam de Cristo assim como participam do pão e, além disso, participam do "Corpo de Cristo", a Igreja. A divisão e a desunião na Igreja negam a verdade representada pelo típico pão.
Por fim a ceia do Senhor passou das casas particulares dos cristãos para edifício especial, onde não fazia mais parte de verdadeira refeição. Orações e hinos cristãos derivados dos serviços sinagogais foram acrescentados às cerimônias. O primeiro documento que fala das orações recitadas durante a Ceia do Senhor (ou eucaristia) é a Didaché (ensinamento dos 12 apóstolos), escrita entre o fim do século I e o começo do século II d.C. (Mt 26,26-30; Mc 14,22-26; Lc 22,14-20; At 2,46; 20,7; ICor 11,20-34: 10.16-17).
Batismo
O segundo rito que Jesus ordenou a seus discípulos observar foi o batismo dos convertidos. Também este tem fundo judaico. No período entre o Antigo e o Novo Testamento, aqueles que se convertiam à religião judaica (prosélitos) eram batizados ou imergidos em água, geralmente num rio das proximidades, como sinal de purificação. Também João Batista batizou a muitos, como sinal do seu arrependimento e de sua purificação interior operada por Deus.
Mas o batismo cristão não era visto só como "loção do pecado". Paulo explica que quando alguém batizado desaparece debaixo da água e depois reemerge, por simbolismo eficaz, passa através da morte e da sepultura para a ressurreição. Pelo batismo os cristãos participam da morte e ressurreição de Jesus: "Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova".
A narração mais completa de um batismo no Novo Testamento é a da história de Filipe e do etíope. At. 8,37 apresenta uma antiga forma de palavras que os primeiros cristãos usaram. O pregador diz: "Se crês de todo o teu coração, podes ser batizado". O batizando responde: "Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus". Às vezes as pessoas eram batizadas em nome de Jesus Cristo, outras vezes, em nome do "Pai, do Filho e do Espírito Santo". (Mt 28,19; Mc 1,4-11; Rm 6,3-4; At 8,26-39; 2,38; 19,5).
A oração
Além das orações particulares de indivíduos, o Novo Testamento menciona freqüentemente grupos de cristãos que rezam juntos. Desde o princípio os cristãos participavam da "fração do pão e das orações". Rezaram para ter coragem quando o Grande Conselho judaico proibiu Pedro e João de pregarem. Rezaram pela libertação de Pedro do cárcere. Rezaram pelo sucesso do trabalho missionário de Barnabé e Paulo. Essas orações eram espontâneas, mas todas revelam o espírito e a linguagem do Antigo Testamento. Algumas palavras usadas nas orações dos primeiros cristãos ainda nos são conhecidas.
· Maran atha (lCor 16,22) - São duas palavras aramaicas que significam: "Senhor nosso, vem". Eram dirigidas a Jesus, invocado com o nome de Senhor, o nome reservado pelos judeus somente para Deus. Maran atha reaparece na última oração da Bíblia: "Amém! Vem, Senhor Jesus!"
· A palavra abba (Mc 14,36) foi usada pelo próprio Jesus, dirigindo-se ao Pai. É termo aramaico que significa "pai querido" ou "papai". Era usado pelas crianças ao falar com o pai. Mas no ambiente judaico seria considerado irreverente usá-lo para dirigir-se a Deus. Em seu lugar era usado abinu, "pai nosso". Mas o relacionamento de Jesus com Deus era tão íntimo, que não só ele usou esta palavra familiar e afetuosa, mas também estimulou os seus discípulos a fazerem o mesmo. A palavra ocorre duas vezes nas cartas de Paulo. "Recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai!". "E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai!'
· Amém - É palavra hebraica usada no culto do templo e da sinagoga, na conclusão das orações. Significa: "É certo" ou também "Não há dúvida sobre isto". Assim no culto celeste descrito no Ap 5, quando se eleva o grito: "Digno é o cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor", a oração é concluída com um grande "Amém". A palavra "Amém" conclui uma oração em Rm 15,33, uma bênção de Deus em Rm 9,5, uma expressão de louvor em GI 1,5 e uma benção dirigida aos cristãos em Gl 6,18 (At 2,42; 4,24-30; 12,5; 13,3; Ap 22,20; Rm 8,15; GI 4,6; Ap 5,12-14; ICor 14,16).
Profissões de fé e hinos
A Igreja do Novo Testamento era uma comunidade que acreditava em determinadas verdades fundamentais. o ensinamento dos "apóstolos" ou a "verdadeira doutrina" ou "as palavras verdadeiras". Tais artigos de fé foram expressos não só nos escritos neotestamentários, mas também no culto, sendo freqüentemente cantados sob a forma de hinos.
Alguns dos credos cristãos primitivos eram muito simples e breves. A fórmula básica era: "Jesus é o Senhor". Provavelmente eram.essas as palavras pronunciadas pelos neoconvertidos. Outras contêm duas ou três afirmações de fé: "Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus"; "um só Senhor, uma só fé, um só batismo".
Às vezes os autores do Novo Testamento citam claramente declarações da fé cristã primitiva. 1Tm 3,16 é um credo em forma de hino (semelhante ao nosso Te Deum):
"Ele foi manifestado na carne, justificado no espírito, contemplado pelos anjos, proclamado às nações, crido no mundo exaltado na glória".
Uma profissão de fé ainda mais pormenorizada da pessoa e da obra de Cristo é apresentada por Paulo em Fl 2,6-11. O hino termina com a profissão do neoconvertido: "Toda língua confesse: Jesus é o Senhor". Talvez fosse uma fórmula cantada durante a cerimônia do batismo (At. 2,42).
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